SER OUTRO ALGUÉM

É fato de que pessoas (ou pelo menos a grande maioria) nunca estão satisfeitas consigo mesmas, com o que são, com como estão. Ocorre, então, um grande número de tentativas de modificar-se até chegar ao que se deseja. Isso é visto desde grandes preocupações com a estética (cirurgias plásticas, manutenção rigorosa da aparência, mudanças das características naturais etc.) até a busca por adquirir cada vez mais bens materiais com a idéia de que isto mudará sua essência ou, pelo menos, a forma como os outros nos vêem. Mas e quando a insatisfação consigo mesmo não é apenas de parecer diferente, de mudar algumas coisas, mas sim de realmente deixar de ser quem é e ser outra pessoa? Como lidar com a vontade de ter outra vida, de ser outro alguém e não poder realizar esse desejo?
No filme Quero Ser John Malkovich (EUA, 1999 – Dirigido por Spike Jonze e escrito por Charlie Kaufman), o protagonista Craig Swartz é apaixonado por marionetes e deseja trabalhar apenas com isso e dessa atividade tirar seu sustento. Mas as coisas não vão bem e ele, sob conselhos de sua esposa obcecada por animais, resolve arranjar um emprego. Consegue: passa a trabalhar como arquivista em uma empresa localizada no andar 7,5 de um prédio (esse andar é realmente um “meio andar”, entre os andares 7 e 8 e por isso tem um teto muito baixo e os funcionários tem de andar curvados). Ali, em sua sala, acha um portal misterioso. Quando se entra nesse portal a pessoa consegue ser o ator John Malkovich (ator americano que realmente existe) por 15min! Depois é lançada em uma estrada. A partir daí Craig e sua colega de trabalho (por quem ele se sente atraído, mas ela o rejeita) começam a cobrar ingressos para “ser outra pessoa” e o negócio se torna muito lucrativo.
A quantidade de pessoas que desejam ser outro alguém é imensa e logo Craig e sua sócia conseguem ganhar muito dinheiro. Aí está algo para se pensar: a que ponto as pessoas chegam para querer tão desesperadamente deixar de ser elas próprias, nem que seja por curtos 15min? Essas pessoas devem se sentir frustradas com suas vidas e não enxergam solução de mudar sua realidade a não ser assumir uma outra vida, completamente diferente. Essas frustrações e esse mal-estar consigo mesmo pode vir por vários motivos como não gostar de sua aparência, de sua forma de pensar, de sua família, do meio a sua volta, de como as coisas aconteceram e acontecem para essas pessoas.
Logo no filme, o portal para ser John Malkovich começa a ser usado não apenas para ser outra pessoa, mas também para conseguir coisas e realizações que não seriam possíveis sendo quem se é realmente. Aí está outra questão: a vida então é movida pelos desejos e pelas vontades e o ser humano é capaz de ultrapassar limites para se sentir satisfeito, ter aquilo que deseja (principalmente se a pessoa em questão já foi muito frustrada ao longo da vida).
Mas como agir se não existe nenhum portal secreto a nossa disposição? Se estamos condenados a sermos nós mesmos até o último instante de vida?
Aprender a conviver consigo mesmo e se aceitar é um caminho. Lutar por evoluir sempre, e ir mudando-se aos poucos, naquilo que é possível ser mudado, é outro caminho. Ou ainda abandonar a vida quando não é mais possível suportar viver de um jeito que não se gosta; embora possa parecer algo triste, abominável, a morte também é um caminho e aqueles que a escolhem devem ser compreendidos (embora a morte seja, é claro, a afirmação definitiva de que seus desejos e vontades nunca se realizarão). Resta então, que cada um ache sua própria saída.
Boa sorte.

Trailer de "Quero Ser John Malkovich":

http://www.youtube.com/watch?v=icysehz-OVc